O processo de interrupção da gravidez é um dos tópicos constantemente abordados na mídia. E, por conta das opiniões divergentes acerca de sua natureza, é comum ver discussões políticas e morais girando em torno do tema.
Contudo, apesar das narrativas que o cercam, pouco se é explicado sobre a prática do aborto em sua essência e como ela funciona dentro da realidade da sociedade brasileira atualmente.
O Varela Net conversou com o promotor de Justiça do Estado da Bahia e doutor em Políticas Sociais e Cidadania, Marco Aurélio Nascimento Amado, a fim de entender sobre como o processo de interrupção da gravidez é visto diante do Poder Judiciário brasileiro.
No Brasil, o aborto induzido – aquele em que a gestação é descontinuada de maneira voluntária – é permitido em três situações exclusivamente: quando a gravidez é decorrente de um estupro; quando ela pode colocar em risco a saúde da grávida; e, em 2012, o Supremo Tribunal Federal (STF) legalizou a realização do procedimento em casos em que se constata que o feto sofre de anencefalia, ou seja, quando há subdesenvolvimento de seu crânio e de seu cérebro.
Entretanto, apesar da existência destes direitos, nem sempre eles são assegurados às mulheres, assim como no caso da menina de 11 anos de idade – vítima de estupro de vulnerável – que mesmo coberta pela lei, teve sua solicitação para realizar a operação de interrupção de gestação negada por uma juíza Joana Ribeiro, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJBA).
Por conta disso, enquanto a equipe jurídica e os reponsáveis da menor de idade procuravam por uma unidade de saúde que a atendesse, ela foi obrigada a estender sua gravidez, ultrapassando o período de 22 semanas – tempo máximo indicado para que um aborto seja realizado, sem pôr a grávida em risco de vida.
Além disso, se porventura o procedimento for feito sem corresponder as condições exigidas no Código Penal, tanto a gestante, quanto os profissionais que efetuaram o aborto podem ser punidos dentro do âmbito penal.
Para uma melhor compreensão, o promotor Marco Aurélio compilou os artigos que determinam as condenações que os envolvidos em um aborto ilegal podem receber, em diferentes cenários.
Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento:
• Art. 124 – Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque:
Pena – detenção, de um a três anos.
Aborto provocado por terceiro:
• Art. 125 – Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:
Pena – reclusão, de três a dez anos.
• Art. 126 – Provocar aborto com o consentimento da gestante:
Pena – reclusão, de um a quatro anos.
Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência.
Forma qualificada
• Art. 127 – As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em conseqüência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte’”.
Estes artigos se tornam regularmente alvos de polêmicas, uns os apoiam, e outros levantam o questionamento se são de fato coerentes com a realidade do país – onde milhares de mulheres morrem anualmente ao se submeterem a métodos inseguros na tentativa de abortar, já que não são possuem respaldo da lei e ainda podem sofrer por conta dela.
Outro documento que diverge opiniões é a Proposta de Emenda Constitucional 181/15, de autoria do deputado federal de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB).
“Inicialmente, a PEC 181/2011 tratava da ampliação de direitos trabalhistas, como o aumento do tempo da licença-maternidade para mulheres cujos filhos nasceram prematuros. Porém, o texto original foi alterado consideravelmente. Foi incluída a palavra “concepção” no texto que altera dois artigos da Constituição, a fim de se estabelecer que a vida começa ainda no ventre da mãe (teoria concepcionista).”, afirmou o promotor Marco Aurélio.
Puérperas que sofreram ou realizaram abortos
Apesar das diferentes visões a respeito da temática, é importante lembrar que o aborto se trata de uma questão de saúde pública, sexual e da mulher.
Portanto, vale ressaltar que existem redes de acompanhamento psicológico que podem auxiliar uma puérpera que passou pelo processo de estresse pós-traumático causado pela interrupção da gestação, sendo ela de maneira espontânea ou não.
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* Sob supervisão do editor Rafael Tiago Nunes
(Varela Net).