Economia

“O desemprego de jovens levará milhões de volta à pobreza”, diz pesquisadora da FGV

Para Ana Lígia Finamor, jovens estão mais sujeitos a aceitar empregos informais de baixa qualificação e que pagam salários baixos

Com a crise, o mercado de trabalho brasileiro assumiu novas configurações que tendem a afetar mais drasticamente jovens entre 18 e 24 anos. Segundo dados da Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE, em fevereiro  20% dessa faixa etária de trabalhadores estava desempregada. Esse não é o maior pico da história, mas desde 2007 não chegamos a essa marca.

Há sintomas de que o Brasil poderá viver um forte retrocesso em oportunidades de trabalho para os mais jovens. Ana Lígia Finamor, coordenadora dos MBAs da Fundação Getulio Vargas, explica as principais razões desse cenário e que consequências ele poderá acarretar.

ÉPOCA – Quais serão as consequências desse desemprego forte entre jovens de 18 a 24 anos? Como isso afeta o futuro de um país?
Ana Lígia Finamor – Além dos aspectos econômico e social, o desemprego tem também efeitos psicológicos sobre os jovens. O mais preocupante no curto prazo é o impacto econômico, que leva ao empobrecimento das famílias e os exclui novamente de um mercado consumidor no qual essa geração já estava inserida desde a infância/adolescência. Esse fenômeno deve levar três milhões de famílias da classe C, que já tinham sido excluídas da classificação depobreza, de volta às classes D e E.

Outro efeito do desemprego na condição econômica desses jovens é a degradação do tipo de emprego oferecido. Com a escassez de vagas no mercado de trabalho, e a pouca experiência, eles estão sujeitos a aceitar empregos informais que exigem baixa qualificação e experiência, e pagam salários baixos. Institutos de pesquisa econômica já apontam queda dos empregos com carteira assinada em maior proporção que os empregos informais.

>> Cresce o desemprego entre jovens com boa qualificação

Além desses aspectos, não se pode desconsiderar os impactos psicológicos causados num jovem pela perda do emprego – muitas vezes o primeiro emprego. Insegurança e falta de confiança no governo e nas instituições são os seus principais efeitos, e tendem a acompanha-lo por muitos anos. A questão da auto estima também preocupa muito, já que este sentimento é tão importante em início de carreira. Além disso, há um atraso na evolução da carreira destes jovens, o que impacta diretamente na evolução do nosso país.

Um outro aspecto que pode preocupar também é a emigração. Por desacreditarem no país e pela falta de oportunidade, podem apostar em ir viver em outro país, sujeitando-se ainda ao desemprego e ao trabalho ilegal.  Por fim, podemos assumir que altos índices de desemprego associados a uma crescente desesperança em jovens leva a sérios prejuízos à nação, de ordem social, econômica e política e psicológica.

Ana Finamor (Foto: Divulgação)

ÉPOCA – Quanto tempo ainda poderemos amargar as consequências desse desemprego? Alguns especialistas calculam várias décadas. A senhora tem uma estimativa?
Ana Lígia – É muito difícil fazer prognósticos seguros num momento político e econômico tão turbulento como o que estamos vivendo no Brasil atualmente, mas a redução do desemprego que nós vivenciamos nos últimos dez anos foi resultado de um conjunto de políticas sociais e industriais internas com um cenário internacional muito favorável, com a explosão do consumo (e dos preços) das commodities. Nesse período, o país avançou. E já tem uma base industrial forte, uma estrutura educacional com mais escolas de tempo integral e uma maior quantidade de vagas em universidades públicas e privadas. Isso mostra que o Brasil tem uma estrutura razoavelmente preparada para voltar a crescer no médio prazo.

Some-se a isso a capacidade criativa do povo brasileiro, que em momentos de crise cria maneiras novas e informais de geração de emprego e renda, isso é a esperança que nos faz continuar acreditando e investindo no nosso país. Basta vermos os números crescentes dos negócios que se enquadram na chamada “economia criativa” e o surgimento em escala global de novas formas de organização do trabalho. Exemplos claros disso são o uso de carros particulares como transporte privado como o Uber e a possibilidade de alugar a própria casa – ou apenas alguns cômodos – como o caso do Airbnb. Ambos são modelos que surgiram na Europa e nosEstados Unidos em momentos de crise, como a de 2008 nos EUA e 2010 na Europa, e que o Brasil já está copiando e criando outras alternativas.

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Portanto, já vimos que, tendo as condições favoráveis para o crescimento, em menos de uma década houve uma redução drástica do desemprego. Com a superação da turbulência política e com a implementação das reformas estruturais necessárias, devemos ter novamente condições econômicas favoráveis para o crescimento e a redução do desemprego em, presumo eu, em torno de uma década, se as condições se tornarem realmente favoráveis.

ÉPOCA – Poderemos chegar ao mesmo patamar da Espanha, que teve 50% dos seus jovens desempregados?
Ana Lígia – Não creio. O desemprego nos países europeus, especialmente Grécia e Espanha, estão relacionados a questões macroeconômicas que atingem esses países de uma forma estrutural há algumas décadas. Esses países têm parques industriais muito menos desenvolvidos que o Brasil, além de terem sido atingidos por questões como forte migração de jovens oriundos de países da África e Oriente Médio e pela redução dos empregos públicos causada pela necessidade de controle maior das despesas públicas. No Brasil o cenário é diferente. Nós vivemos um momento de instabilidade política e econômica que tem feito o número de desempregados aumentar muito, mas ainda estamos longe dos 50% da Espanha.
Esse cenário deve ser superado em não muito tempo e a economia deve voltar a crescer, de modo que os níveis de desemprego devem começar a regredir muito antes de atingirmos os números alarmantes da Espanha.

>> A marca dos 10 milhões de desempregados

Os números de desemprego do Brasil e da Europa têm fundamentos distintos, de modo que seria apressado admitir que estamos caminhando para índices de desemprego nos mesmos patamares desses países. A situação econômica do país vem se deteriorando em grande velocidade e não seria surpresa se o Brasil atingisse os níveis de desemprego de Portugal (25%) ou França (30%) nos próximos anos. Mas para isso acontecer temos que admitir que não haverá uma guinada rápida nos fundamentos macroeconômicos do país, e não me parece razoável admitir que esse cenário vá se concretizar. É importante continuar acreditando no país, mas claro com plena conscientização dos efeitos imediatos da crise e suas consequências.

ÉPOCA – Quais as mudanças ou reformas precisam ser feitas para que esse quadro de desemprego entre jovens se reverta?
Ana Lígia –
No curto prazo, é necessário qualificar esta mão de obra. Esta qualificação pode ocorrer de duas formas: programas de aperfeiçoamento, com o fortalecimento do ensino técnico, incentivo a programas de estágio e parcerias com o setor produtivo para aproveitamento dos egressos de cursos técnicos; e políticas de apoio ao empreendedorismo, capacitando jovens para se tornarem gestores de micro e pequenas empresas, dando a eles acesso a crédito subsidiado para financiar suas iniciativas empresariais.

Outra iniciativa importante seria um esforço governamental na implementação de uma política de desoneração da folha salarial para empresas que contratassem jovens, porém sabemos que não seria uma iniciativa de fácil implementação, já que o governo está com suas contas deficitárias. Neste momento essa ação funcionaria como um paliativo para reduzir a velocidade de crescimento dos índices de desemprego, mas no médio prazo seria muito positivo para a evolução profissional destes jovens.

>>Como a reforma na Previdência pode aliviar a crise econômica

Associadas a essas ações, também seria fundamental a reativação da economia do país, acompanhada de uma reforma na legislação trabalhista. Esta é uma discussão que, apesar de não ter evoluído na última década, deveria ganhar impulso nesse momento de desemprego elevado entre nossos jovens. Uma reforma trabalhista poderia desonerar as empresas e impulsionar a geração de empregos formais, atendendo esta demanda desassistida no momento. Essas iniciativas deveriam preparar os jovens  para um retorno rápido e em condições favoráveis a um mercado de trabalho. Entretanto, não podemos esquecer que parte desses jovens se encontra em risco social e essas iniciativas não podem ocorrer na velocidade necessária. Por isso também é importante que essas ações sejam complementadas com políticas sociais direcionadas aos jovens não beneficiados pelos programas profissionalizantes. E é nesse momento que a rede de proteção social do governo se torna imprescindível.

Fonte: Epoca

Foto: Divulgação

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